DELTA, SAGRES & BENFICA.

Eu adoro o Alentejo. Mas aos meus olhos o Alentejo tem três problemas:

  1. Há muito Benfica. E eu sou da safra de 87, abençoada por aquele Maio de Viena. Da camisola Revigrés de Baía, Paulinho e muita Paciência. Das memórias de Superior Norte e Arquibancada. De noites molhadas de chuva e regadas de golos (como naquela em que o bailado de Mourinho derrotou a squadra de Mancini). Sou do outro espectro da escala cromática.
  2. Há Sagres em todo o lado. E eu nem tenho nada contra a cerveja em si. O problema é que não é Super Bock.
  3. Há Delta em todo o lado. Há muitos anos que eu me auto-diagnostiquei com uma intolerância severa a Delta. O meu estômago tolera apenas lotes muito especiais que não tive o cuidado de apontar, por isso evito Delta simplesmente.

Mas a esta tríade eu oponho uma santíssima trindade de sabores alentejanos:

  1. Os Gémeos
  2. O Alcaide
  3. Taberna Típica Quarta-Feira

Peregrinei a estes três santuários para expiar os meus excessos bávaros. Em jeito de penitência pós-Páscoa. (Sim, depois da Páscoa fui fazer um pequeno roteiro gastronómico ao Alentejo). (Sim, eu gosto de comer). (Sim, eu ando com protector gástrico na carteira).

Os Gémeos. Rio de Moinhos

Primeira paragem da via gastro-sacra. Descobrimos os Gémeos completamente por acaso. Vimos a página do Boa Cama Boa Mesa com uma pequena lista dos pratos deles e, mais ou menos convencidos, lá fomos até Rio de Moinhos. E o resto é história.

Esta era a terceira vez e depois de umas migas de coentros com carne do alguidar, do javali à Gémeos, agora era a vez da sopa de tomate. Desde a primeira vez tinha ficado fascinada por aquela sopa. Um casal de velhinhos ao nosso lado pediu-a e devorou aquele alguidar em menos de nada. Só que estava sempre calor e nunca apetecia sopa. Até agora. Chuva e frio – os astros alinharam-se. Alea jacta est!

E ó meu deus! Depois das entradas de paio e queijo, chega um pratinho com morcela e linguiça frita e logo a seguir o alguidar da sopa e um prato com batatas fritas às rodelas e pão a acompanhar. A sopa sabia ao tomate mais puro. Nada a ver com estas latas de tomate emparelhado com orégãos e a saber a açúcar que servem aqui na Germânia. Além disso ainda tinha bacalhau e dois ovos escalfados lá dentro! E quem diria que sopa de tomate com batata frita a acompanhar fazem um par perfeito? Onde é que vocês andaram quando eu recusava todas as sopas na minha infância?! E a sopa era leve apesar de toda esta catrefada de ingredientes. Eu apenas me controlei nos enchidos que mandei lá pra dentro, mas tudo o resto estava irrepreensível: os ovos e o bacalhau cozidos no ponto. E, por fim, a costumeira mousse de requeijão com morangos. Amén.

O Alcaide. Monsaraz

Altar-mor da planície do Alqueva, onde ensopados de borrego e bochechas de porco são oferecidos em sacrifício pelas sábias mãos da cozinha do Sr. Luís. Desta vez o sacrificado foi o borrego. Aconchegado no prato por fatias de pão e batatas e regado com o seu rico e gordo manto onde coentros nadavam aromaticamente. O borrego estava tenro, as batatas bem cozidas. O pão alentejano recebia-os a todos em comunhão. A sobremesa foi dispensada e só era preciso mesmo um pouco de água benta das Pedras para preparar o estômago para a terceira e última estação.

Taberna Típica Quarta-Feira. Évora

O Gólgota desta aventura. A primeira vez que vim à Taberna fui eu a sacrificada, incumbida de tentar derrotar um cachaço de porco sozinha. A Taberna tem menu fixo (e que muda constantemente) e a minha companheira daquela vez não comia carne de porco. Por isso, quando chegou o prato principal (cachaço de porco preto) ela ficou-se pelos acompanhamentos e eu fiz-me ao bicho. Desta vez, não havia cá riscos desses. O prato seria diferente (por já ter comido o cachaço) e o meu companheiro de aventura é um todo-terreno gastronómico.

Estávamos à mercê do João e do menu maquiavélico que preparara para aquela noite.

Entradas: salada de ananás, tomate cereja e alface com balsâmico e molho de pimentos; ervilhas com ovos escalfados e bacon, cogumelos salteados, empadas de galinha, paio de porco preto, queijo de ovelha no forno, torradas com manteiga e chili, doce de abóbora e chutney de malagueta, pão & tostas. Só isto e o Paulo Laureano já chegava. Estava tudo no ponto!

Depois, o tour de force: porco. Mas não um porco qualquer: rojões à alentejana! Rojões com coentros, batatas, acompanhados de pimentos e beringela grelhados e esparregado à alentejana. Faltam-me as palavras para descrever o manjar e naquela altura já me começava a faltar também a fome!

No intervalo, um corta-palato de limão e depois um trio de sobremesas: o melhor do mundo (bolo de noz), encharcada e brigadeiro (que estava incríííível!). E com a barriga tão cheia de contentamento, esqueci-me de fotografar as sobremesas! Paciência, ficou a fotografia mental e a impressão que deixaram no meu estômago.

Depois destes dias a testemunhar a generosidade e engenho alentejanos à mesa, partimos o pão pela última vez.

Este pão de que vos vou falar não é um pão qualquer. Primeiro não se parece com um pão. É amarelo, coberto por açúcar em pó e parece muito rico pra pão. Depois, quem tiver o privilégio de ver o que esconde, encontrará ovos (muitas gemas e fios), amêndoas, chila e açúcar (claro). É como se as mãozinhas freiráticas tivessem juntado num só todos os doces conventuais portugueses. E com um resultado estupendo. O pão de rala encontra-se em muitos sítios, mas o melhor está no número 47 da rua do Cicioso, em Évora. Este é o único consagrado e abençoado e que vale a pena provar.

E com esta última ceia, estávamos prontos para subir aos céus.

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